domingo, 7 de junho de 2009

Irmã Rosa Marthin: intelectualidade e religiosidade marcam a pessoa desta militante de 74 anos


Irmã Rosa Marthin é americana, nascida na pequena cidade de Tipton, no estado de Indiana. Desde pequena, sempre manifestou ideais de justiça e aos 18 anos entrou para a vida religiosa. Chegou ao Brasil em 1961 e em Telêmaco Borba desembarcou em 1973. Freira da Congregação de Santa Cruz, também é missionária. É formada em biologia pela Universidade de Notre Dame e realizou cursos de pedagogia e teologia na mesma instituição. Com 36 anos de Telêmaco Borba e 48 de Brasil, ainda traz consigo o carregado sotaque americano. É conhecida pela inteligência e pela forte militância nas causas sociais e, principalmente, ambientais, tanto que foi uma das principais personalidades contra a instalação da Usina Hidrelétrica de Mauá no Rio Tibagi. Além disso, é uma mulher atualizada com as novas tecnologias. Prova disso, é que quando telefonamos à ela para agendar uma entrevista, Irmã Rosa estava ocupada em uma conversa por meio do Skype. Ela afirma que o ser humano nunca deve estar abaixo da tecnologia e sim comandá-la. Em Telêmaco, é vice-presidenta do Centro de Promoção Humana. Também é membro da Frente de Proteção ao Rio Tibagi e do Território Caminhos do Tibagi. Dia 16 de maio foi aniversário da Irmã Rosa. A missionária completou 74 anos de idade.


Márcio Rodrigo: A senhora costuma lutar contra tudo e contra todos em defesa do que considera correto. Já sofreu ou tem medo de sofrer alguma represália por não temer expor sua opinião?


Irmã Rosa: Já passei por algumas situações perigosas na época da construção da Usina de Itaipu. Aqui também, no próprio assentamento Guanabara nós fomos cercados por jagunços com revólveres, mas nunca tive medo. Eu acho que quem assume o projeto de anunciar o bem e denunciar o mal tem uma posição de profeta. É para isso que nós fomos chamados. Isso que é democracia, isso que é cristianismo. Essa é a suma de nossa vida, de realmente anunciar e denunciar. Então podemos ser construtivos não apenas no sentido de derrubar alguma pessoa, mas suscitar uma reação para algo melhor, uma mudança, uma transformação daquilo que não é desejado por nós.


MR:A Usina Mauá parece que vai sair. Foram inúmeras as lutas e os alertas sobre o perigo de sua implantação, tanto no que diz respeito à preservação do Rio Tibagi quanto da preservação das terras da população ribeirinha e indígena. Por conta da decisão, a senhora se considera derrotada?


IR: Não, de nenhum jeito. Tem um processo sobre a demarcação das áreas indígenas e, no passado, já tivemos histórias trágicas com os nossos índios. Muitos, inclusive, morreram. Foram inúmeros os casos de áreas retiradas dos índios colocadas nas mãos de outros proprietários. Os índios, atualmente, estão em pé de guerra no Brasil, logo é um momento propício. Acredito que isso vai pesar. Temos também outro problema grande que é a questão da água do Rio Tibagi. Semana passada o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) até declarou que a água do Rio Tibagi estava imprópria para consumo humano devido ao excesso de metais pesados, vindos dos agrotóxicos, de demais serviços dos fazendeiros e das minas de carvão. Até hoje, foram realizados três exames nas águas do Tibagi na região de Londrina, Jataizinho e Lageado Bonito, em Ortigueira. A cada exame a situação fica mais alarmante. Se colocarmos um reservatório em cima dessa situação, imagina o que acontece com o rio e com os seus afluentes, nós perderemos toda nossa área. Eu acredito que o Governo é mais sensato. No momento o IAP não sabe o que fazer. Além disso, toda a parte legal não foi resolvida, a Assembleia Legislativa não votou, Ortigueira não votou e o IAP admitiu que está fadado a licença. Então eu acho que a justiça e a verdade vão prevalecer. Eu acredito ainda no Brasil, eu acredito no Paraná, eu acredito em nossas autoridades. Eu não acredito que todo mundo já se perdeu.


MR: É bastante comum os ambientalistas serem chamados de ecochatos. O que a senhora pensa sobre essa denominação?


IR: Olha, eu parto do principio que nós temos que declarar nosso amor pelas águas, por tudo que nós temos aqui e toda nossa mata atlântica. Quando nós manifestamos nosso amor, como assim fizemos quando o presidente Lula esteve aqui eu recebi um e-mail de volta do Planalto, agradecendo-nos por saber que existem pessoas que realmente acreditam no futuro do Brasil e estão dispostas a trabalhar com isso. Eu fiquei feliz. Quando nos chamam de ecochatos eu não ligo, porque precisamos salvar a nossa vida. A crise econômica é pesada, mas a ecológica é bem pior e eminente; e nós não temos mais tempo.


MR: E essa preocupação com o meio ambiente é quase inexistente, não é?


IR: Sim, é muito pequena, as pessoas não ligam, cada um quer viver sua vida, não estamos conectados. Nós não estamos nos tocando que dependemos do que a vida nos deu. Infelizmente nesse tempo de tecnologia nós estamos desconectados da matriz da vida.


MR: O arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho, excomungou médicos e parentes da menina de 9 anos que sofreu aborto devido ao estupro realizado pelo padrasto. Ele, recentemente, disse que não foi bem por aí, que apenas alertou sobre o que prevê o Código Canônico e que, ele mesmo, não realizou a excomunhão. A senhora, como religiosa, o que achou dessa exposição do caso na mídia?


IR: Foi muito triste, uma falta de compaixão. Em primeiro lugar, de tornarmos aquilo público, jamais nós temos esse direito. Jesus não fazia isso. Esse foi um pecado que se deve pedir perdão, não que o aborto seja certo, mas nós temos que tratar a vida com um pouquinho mais de delicadeza. Não concordo nem com a postura nem com a maneira que ele procedeu. O Estado e a própria igreja diz que naquela situação o aborto é permitido.


MR: Trabalhar em defesa das causas sociais lhe dá um amplo conhecimento dos maiores problemas do município e, de certa forma, até um mapeamento, mesmo que armazenado mentalmente, das pendências de Telêmaco Borba. Que conselho a senhora daria para o prefeito, vereadores e Poder Judiciário?


IR: A Campanha da Fraternidade deste ano é assim: A paz é fruto da justiça. Nós permitimos que pessoas grandes tenham mais chances, mais perdão e todo o resto. O caso das drogas é um exemplo. Prendem os pequenos que estão pendurados na droga, mas os chefes do narcotráfico não são perseguidos e controlados com o mesmo rigor. Eles estão enriquecendo. Se houvesse o mesmo esforço que se faz para prender os pequenos isso ia mudar. Não podemos culpar os pequenos pelas drogas, mas sim os grandes. Então, é atuar dentro de toda a questão do bem estar social, da paz e da justiça. Eu poderia usar outros exemplos também aqui em nossa cidade, mas no momento não considero ético falar, e todos sabemos do que estou falando. Hoje vemos a questão dos impostos e percebemos quem paga e quem não paga. É a desigualdade. Os grandes acabam levando a margem que, enfim, prejudicam o pobre.

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